Blendas de PLA e PCL

DSC 0058 reduzidaAs Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DNCT) estão entre as principais causas de óbitos no Brasil e no mundo e irão se tornar, segundo dados do Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das DNCT no Brasil, elaborado pelo Ministério da Saúde, a primeira causa de mortes no planeta até 2022. Somente no Brasil, elas constituem o problema de saúde de maior magnitude, correspondendo a 72% das causas de morte e atingindo fortemente as camadas mais pobres e vulneráveis da população.

 

Dentre as principais DNCT, as doenças cardiovasculares, em especial a doença arterial coronariana (DAC), constituem as maiores causadoras de internações e geram o maior custo nesse componente do sistema de saúde nacional. A DAC resulta do estreitamente ou oclusão das artérias por arterosclerose, uma doença que afeta o revestimento endotelial das grandes e médias artérias. O implante de endopróteses, também conhecidas como stents, se tornou a principal modalidade de revascularização miocárdica no mundo, superando 90% do número de intervenções percutâneas realizadas por cateter, na medida em que é responsável por reduzir os índices de estreitamento das artérias (reestenose).

 

A Implantação do stent provoca uma agressão à parede vascular, iniciando o processo de hiperplasia íntima e remodelação vascular, aumentando o risco de trombose reestenose. Dessa forma, é um consenso clínico que os stents somente são necessários durante o período de acomodação vascular, fazendo com que os stents biorreabsorvíveis apresentem a melhor alternativa de uso, na medida em que são completamente substituídos por tecido, com uma melhor remodelagem vascular. Pensando nisso, um grupo de cientistas estabeleceu uma parceria para criar um material biocompatível e biorreabsorvível que pudesse substituir os materiais atualmente utilizados em stents, resultando na patente Processo de desenvolvimento de blendas de Poli (L-CO-D Ácido Lático) e Policaprolactona compatibilizadas.

 

Desenvolvida por Lidiane Cristina Costa, José Donato Ambrósio e Silvia Helena Prado Bettini, do Departamento de Engenharia de Materiais da UFSCar, e Marcelo Aparecido Chinelatto e Pablo Felipe Martins Finotti, pesquisadores da USP, sob coordenação de Chinelatto, essa tecnologia é derivada de uma mistura física, também chamada de blenda, de Poliácido lático (PLA) com a Policaprolactona (PCL), dois materiais poliméricos biocompatíveis, biorreabsorvíveis e biodegradáveis com propriedades que se complementam.

 

O PLA, por exemplo, é oriundo de fontes renováveis e pode ser utilizado como biomaterial, visto que a sua unidade de construção, o ácido lático, é produzido pelo organismo humano. Por outro lado, esse polímero é muito frágil e absorve pouca energia antes de romper. Já o PCL é obtido a partir do petróleo e possui boas propriedades mecânicas, sendo um material que sofre grandes deformações.

 

Dessa forma, o objetivo inicial da pesquisa foi conceber um produto composto pelo poli (ácido lático) que viesse a ter um comportamento mecânico mais adequado às aplicações de interesse, como capacidade de sofrer grandes deformações antes da quebra. Assim, surgiu a ideia de inserir um segundo material polimérico – o PCL – que tivesse as propriedades de biocompatibilidade e biorreabsorção do PLA e causasse uma melhoria acentuada em suas propriedades mecânicas.

 

A ideia de desenvolver um novo material para os stents surgiu do projeto de mestrado de Pablo Finotti, sob orientação de Marcelo Chinelatto. Como a atuação desses dispositivos geralmente acontece em um período entre seis meses e um ano, havendo uma redução considerável na probabilidade de haver reestenose após esse tempo, pensou-se em criar um material que pudesse ser naturalmente eliminado, em substituição à maioria dos stents atuais que permanecem no organismo e podem causar algum tipo de reação.

 

Embora o Poli (ácido lático) já fosse amplamente empregado na produção de biomateriais, não era adequado utilizá-lo de forma pura devido principalmente sua alta fragilidade, visto que os stents são endopróteses, ou seja, implantes inseridos na artéria no formato de uma mola comprimida e somente depois insuflados para adquirir a dimensão ideal. Assim, se eles não possuírem uma boa capacidade de deformação, há o risco de ocorrer fraturas que causem lesões dentro do corpo. “Pense em um material frágil como o PLA durante a insuflação dentro de uma artéria. Se ele por ventura viesse a romper, imagine a preocupação e o transtorno gerados. Isso passa a ser completamente diferente quando você tem grandes deformações, o que permite até mesmo uma maior segurança do ponto de vista do material”, defende Chinelatto.

 

Além disso, por ser um polímero bastante rígido, o PLA puro necessita ter sua temperatura elevada para que possa ser insuflado, o que aumentaria a probabilidade de necrose na região em que o dispositivo fosse inserido. A adição de PCL, portanto, além de deixar o material mais flexível, pode diminuir sua rigidez, permitindo que endopróteses sejam insufladas a temperaturas muito próximas à do corpo humano.

 

O grande desafio da pesquisa, no entanto, foi trabalhar a interface entre o PLA e o PCL, a fim de permitir a complementação entre as suas propriedades. Isso porque esses polímeros são imiscíveis, o que significa que eles não formam uma mistura homogênea, ficando imerso um no outro, a exemplo do que ocorre com a combinação entre água e óleo. “Nós precisamos trabalhar insistentemente nessa interface, porque se ela não for boa, se for algo desacoplado, se houver um buraco ali dentro, acabamos piorando as propriedades de cada material. Foi aí que acrescentamos um terceiro material, que é o grande diferencial do nosso trabalho, o compatibilizante, ou melhor, o tipo de compatibilizante utilizado”, revela Lidiane Costa.

 

Compatibilizantes são substâncias utilizadas para melhorar a adesão interfacial entre polímeros imiscíveis. Quando ocorre uma blenda imiscível, forma-se uma fase contínua, composta pelo polímero utilizado em maior quantidade, no caso o Poli (ácido lático), e uma não-contínua ou dispersa, com o segundo polímero, a Policaprolactona, como “gotas”. Assim forma-se um sistema complexo constituído de uma fase dispersa de PCL na forma de gotas em uma matriz contínua de PLA. Dessa forma, o compatibilizante promove a aderência entre as duas fases, melhorando a sua interface. A novidade foi utilizar como compatibilizante um copolímero de baixa massa molar. Assim, foi adicionado esse terceiro componente à blenda PLA/PCL, obtendo resultados diferentes do que vinha sendo observado na literatura.

 

“Quando você pega um corpo de prova feito com PLA, ele se rompe praticamente sem deformação alguma e essa é uma propriedade limitante. Quando se analisa uma blenda compatibilizada, dependendo de quanto se usa de cada um dos polímeros, é possível observar um comportamento bastante diferenciado, passando a obter grandes deformações”, afirma Chinelatto, que ainda explica que as pesquisas utilizaram outros tipos de compatibilizantes, assim como vários teores de PCL a fim de encontrar uma formulação que atendesse diversas aplicações, como em medicina, embalagens e produtos descartáveis.