Cuffômetro inteligente
Em virtude da preocupação mundial sobre o crescimento de casos da COVID-19 no Brasil e no mundo, a atenção dos pesquisadores voltados para a área da saúde ganhou destaque. Além da busca por soluções que evitem o contágio e transmissão do novo coronavírus, a dinâmica dos ambientes hospitalares também apresenta fatores de risco, a exemplo do procedimento que pode estabilizar um quadro de falência respiratória: a intubação traqueal. Questionando a pouca disponibilidade de dispositivos para realizar o controle da pressão dos balonetes dos tubos traqueais visando preservar a respiração do paciente durante cirurgias que envolvem anestesia geral ou quadros de complicação respiratória grave, um pesquisador do Departamento de Medicina da UFSCar trouxe o tema para a universidade visando discutir uma solução que facilitasse o trabalho de todos os profissionais da área da saúde através da utilização de um dispositivo nacional. Foi assim que teve origem a patente de invenção "Sistema para aquisição, armazenamento e transmissão da pressão do balonete de próteses endotraqueais" o Cuffômetro inteligente cujo depósito de pedido de patente foi realizado nesta sexta-feira (10/07) junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial com titularidade da Universidade Federal de São Carlos.
Com o início da pandemia, o pesquisador e médico Rafael Luís Luporini percebeu a necessidade da Santa Casa de São Carlos em adquirir aparelhos de medição da pressão do balonete de próteses endotraqueais para garantir a vedação adequada do tubo orotraqueal à traqueia do paciente e assim levar a ventilação correta do mesmo. Isso porque os fabricantes e representantes nacionais que possuem licença junto a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) não deram conta de suprir o estoque internacional, além de elevar o preço do material. Entendendo que a intubação traqueal é considerada um método de suporte avançado à vida, mas que a técnica poderia se popularizar e tornar mais necessária durante a pandemia, Luporini se reuniu com os pesquisadores Rafael Vidal Aroca da Computação; Fernando Guimarães Aguiar, Leonildo Bernardo Pivotto e Marcos Tan Endo da Engenharia Mecânica; e Heitor Vinicius Mercaldi da Engenharia Elétrica e, em menos de 30 dias, foi desenvolvido o cuffômetro inteligente, um dispositivo inédito capaz de manter e auxiliar na vedação adequada do sistema de intubação traqueal em pacientes em terapia intensiva e emergência intubados.
Num procedimento de intubação hospitalar convencional, um tubo de plástico é conectado ao respirador que é inserido na traqueia do paciente. No entanto, para realizar a ventilação, é necessário vedar este tubo com a traqueia do paciente através de balões infláveis. Para isso, após a inserção do tubo, uma seringa de ar é utilizada para insuflar o balonete até completa vedação a fim de evitar a transferência de secreções e permitir uma ventilação mecânica adequada.
De acordo com um dos inventores, Fernando Aguiar, a ausência deste equipamento de medição da pressão dos balonetes pode trazer danos ao paciente e profissionais de saúde, mesmo que o procedimento seja feito com todas as recomendações necessárias, pois um insuflamento de ar inferior ao necessário pode não garantir a vedação adequada do sistema. Se a vedação não acontece corretamente, as secreções das vias aéreas superiores e trato digestivo podem passar para as vias aéreas inferiores do paciente, podendo ocasionar uma pneumonia ou mesmo contaminar os profissionais de saúde, como, por exemplo, com o coronavírus. Por outro lado, o hiperinsuflamento ar em excesso pressionando a traqueia pode diminuir significativamente a perfusão de sangue, ocasionando lesões e estenose, e levando a um quadro cirúrgico que pode trazer sequelas crônicas ao paciente, explicou Aguiar.
Nesse sentido, para que a quantidade de ar correta seja inserida no balonete, há a necessidade de um sistema de monitoramento de pressão o cuffômetro. A proposta desta tecnologia é justamente encaixar uma seringa em uma válvula com três conexões, possibilitando a conexão entre o cuffômetro inteligente, o balonete e a seringa para injeção de ar, de acordo com todas as normas da Organização Mundial da Saúde (OMS), segundo Aguiar. A tecnologia possui um sistema de auto calibração, cartão de memória interno para armazenamento de dados e capacidade de comunicação via Bluetooth, Wi-Fi e modem 4G. Tudo isso permite o monitoramento instantâneo do paciente ao longo do período em que estiver intubado e, inclusive, durante um transporte intra-hospitalar dentro de uma Unidade de Terapia Intensiva móvel, além de permitir o envio de dados e gráficos para um servidor, fazendo com o que a equipe médica consulte seu histórico completo a qualquer hora em qualquer lugar.
Levando cerca de 30 dias para ser desenvolvida, entre a demanda e união das áreas técnicas até a confecção do primeiro protótipo, o principal diferencial desta tecnologia é o fato de todos os produtos disponíveis no mercado brasileiro serem analógicos. O cuffômetro inteligente é microprocessado e permite a autocalibração quando o equipamento é inicializado, equalizando a pressão externa com a pressão da medição. A invenção superou as nossas expectativas porque a ideia inicial era a medição de pressão do balonete para monitorar a quantidade correta de ar injetado, mas com a união das áreas, investimos na aplicação por telemedicina, o que torna o dispositivo ainda mais atrativo ao mercado, sugeriu Aguiar.
Segundo o inventor, para a fabricação deste equipamento, considerando o licenciamento da tecnologia junto a UFSCar, bem como o licenciamento do produto junto a Anvisa, os pesquisadores estimam que o custo de sua produção será compatível aos modelos analógicos existentes, mas com maior abrangência em suas funcionalidades, dado que os equipamentos atuais não possuem display, não gravam e não fazem o compartilhamento de informações através de um sistema inteligente.
Dada a necessidade atual, em função da preocupação com o novo coronavírus, os pesquisadores já receberam contato de empresas interessadas no licenciamento da tecnologia e, paralelamente a isso, investem na aplicação de testes clínicos. Neste momento, Aguiar conta que a equipe atua na construção de dois protótipos, acreditando que a tecnologia pode transformar o trabalho dos profissionais e a segurança dos pacientes intubados. Além de suprir uma demanda nacional, com a escassez de equipamentos importados, esta solução tecnológica ganha importância porque reduz a chance de complicações ao paciente, e evita a dispersão e contaminação da equipe de saúde e familiares ao redor. Ou seja, protegendo a vida do paciente e facilitando o trabalho dos profissionais de saúde, ela salva vidas. Adicionado a isso, o monitoramento remoto também é uma realidade cada dia mais necessária, finalizou.