Inovação deve ter foco, dizem analistas

iiiiiO foco da política tecnológica brasileira tem que ser para segmentos ou setores ou para parte de setores ou para um conjunto de setores similares. A questão de ciência e tecnologia é um desafio em qualquer lugar do mundo A indústria brasileira vem perdendo espaço no mercado doméstico para os produtos importados e também perdeu competitividade para concorrer em outros países com produtos "made in China", "made in Coreia", "made in" algum país asiático. Embora o câmbio seja hoje apontado como o grande vilão da indústria brasileira, ele não é o único responsável pela perda de participação dos produtos brasileiros no consumo doméstico e também no de outros países. Para um grupo cada vez maior de especialistas, a recuperação da participação perdida e a conquista de novos espaços passa pela inovação. Mas o importante, insistem, é traçar uma rota de incentivo à inovação com foco nos segmentos onde o país tem capacitação e possa fazer diferença. A ideia, dizem, não é abandonar a indústria, mas fazer "escolhas" em setores nos quais o país pode dar um salto a médio e longo prazo. Na última década, o país perdeu competitividade de tal forma que levou o professor Antonio Barros de Castro, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a caracterizar a indústria brasileira, com honrosas exceções, de "descartável do ponto de vista internacional". Para Barros de Castro é preciso "um ativismo forte, mas não para manter, e sim para transformar". Ele e outros dois especialistas em política industrial - os professores David Kupfer, também da UFRJ, e Carlos Américo Pacheco, do Instituto de Economia da Unicamp - avaliam que há a necessidade de uma política científica e tecnológica diferente daquela que vem sendo realizada. "O foco da política tecnológica brasileira tem que ser para segmentos ou setores ou para parte de setores ou para um conjunto de setores similares. A questão de ciência e tecnologia é um desafio em qualquer lugar do mundo. O Brasil não é diferente", avalia Kupfer. Carlos Américo Pacheco destaca que o Brasil vai ter que fazer escolhas. "Não vamos conseguir resolver todos os problemas sistêmicos no curto prazo. Há falta de recursos humanos e de ação coordenada, e toda essa agenda é de médio e longo prazos. Temos que resolver questões de logística e de infraestrutura, e o problema cambial não vai ser solucionado de um dia para outro. Temos aí dois anos para equilibrar apenas as questões macroeconômicas e depois poderemos realmente avançar " diz. Tanto ele como Kupfer destacam áreas nas quais o país pode avançar e posicionar-se internacionalmente de uma forma mais competitiva e diferenciada, observando que esses segmentos "são até óbvios", como lembra o professor da Unicamp. "Andar firme no agronegócio, em toda a cadeia que envolve o petróleo, com o pré-sal, manter a base de desenvolvimento científico no que diz respeito aos recursos da biodiversidade, energia, na aeronáutica, setor aerespacial que são indutores de tecnologia pelo mundo afora são setores que formariam um mapa interessante para serem depois completados com dimensões da economia do conhecimento", lista Kupfer. Ele avalia que todos os setores citados contam com bases bem constituídas, mas precisam continuar recebendo investimentos para abrir caminhos novos e acumular mais massa critica para avançar. "Não se deveria definir um número muito grande de áreas, mas algumas com margem ampla de ação de longo prazo, envolvendo recursos de empresas e governamentais", diz o professor da UFRJ. Kupfer lembra que não foi por acaso que o país avançou no agronegócio. "A ideia de celeiro do mundo não é porque temos terra e sol. Foi reflexo de décadas de um sistema de acumulação, inovação e pesquisa tecnológica. Na agropecuária recente, houve um puxão na ciência que deu oportunidade para descobertas na biologia e genética, e, do lado econômico, a questão do alimento ganhou uma difusão de teses de segurança alimentar. A bioenergia, por exemplo, poderá encontrar soluções na agropecuária. Trata-se de uma linha que podemos avançar muito e chegar o mais próximo da fronteira internacional", diz ele. O professor lembra que já existe toda uma cadeia voltada à inovação que, se exacerbada, tem tudo para avançar ainda mais. O amplo envolvimento de um setor trouxe resultados importantes para o país, lembra Carlos Américo Pacheco, citando o exemplo da indústria aeronáutica. Tudo começou nos anos 40, com a criação de órgãos e a formação de mão de obra no setor, que levaram à criação da Embraer, empresa com destaque no cenário internacional. O professor da Unicamp lembra que as energias renováveis estão na agenda mundial e nessa agenda o Brasil está devendo ao mundo. "Os Estados Unidos estão buscando novas fronteiras na biotecnologia e a China também. Para sermos cada vez mais competitivos, é preciso recursos para termos uma biotecnologia de classe mundial", afirma. Na avaliação dos especialistas, o país tem uma "joia da coroa", como define Kupfer ao se referir a tecnologia envolvendo o pré-sal. "É preciso concentrar toda a política pública nessa mina de ouro para potencializar o conhecimento que se transfere para a indústria eletrônica, mecânica, a robótica e a ligada à tecnologia do conhecimento que estará envolvida ao redor", afirma o professor da UFRJ. Ao tomar posse no fim de janeiro do comando da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), órgão do Ministério da Ciência e Tecnologia, Glauco Arbix, especialista em politica industrial e inovação, deu um sinal da razão de ter sido escolhido. Ele foi taxativo: "O Brasil precisa de um choque de inovação em todas as esferas e dimensões, na economia e na sociedade", disse. Falou em "mobilizar o Brasil para inovação", mas lembrou que "a inovação é uma combinação de processos, conclusões e síntese de eventos anteriores". E reconheceu: "Não há varinha de condão. Há travessia, criação e uso intensivo de conhecimento processado por pessoas", disse. (Valor Econômico)